Valentin Silvestrov trabalha a
forma com a qual as nossas emoções, tradição, cultura, antepassados e
lembranças estão relacionados. De que forma nós “sentimos” nossas memórias. Sem dúvida, o empenho nesta
espécie de trabalho deve ser imenso, dada a dificuldade e subjetividade do
tema. No entanto Silvestrov sai-se magistralmente bem, e coloca seu nome entre
os grandes compositores do século passado e atual.
Silvestrov nasceu em Kiev, Ucrânia
em 30 de setembro de 1937 e faz parte do chamado “minimalismo sacro”. No
início, quando sua música começou a chegar em outros países (mais
especificamente nos Estados Unidos), fora acusado de ser “demasiado expressivo”.
O filósofo Theodor Adorno saiu em sua defesa alegando ter Silvestrov a total
liberdade em sua criação, no sentido de compor respeitando o que acreditava.
Em seu trabalho vemos influência
de Mozart, Tchaikovsky e Mahler, tendo herdado de Tchaikovsky a sensibilidade
de criar temas profundamente “psicológicos”, e de Mahler o expressivismo.
A primeira obra que postarei (de
uma série) será seu Requiem for Larissa. Uma
de suas obras mais expressivas e também mais importantes.
A história deste Requiem incomum,
é interessante e ao mesmo tempo sombrio. Silvestrov o compôs em 1998, dois anos após a
morte inexplicável de sua esposa, a musicologista
Larissa Bondarenko, pessoa a quem tanto amava. Larissa estava completamente bem
de saúde quando tivera um mal súbito, foi rapidamente internada em um hospital
onde veio a falecer pouco tempo depois. Os médicos não encontraram causa
aparente para a sua morte, o que certamente tornou a situação mais complexa e
dificil de aceitar por parte de Silvestrov.
Este requiem não possui a
estrutura usual de um requiem, dividido por movimentos e não por os hinos que
compõem a missa fúnebre (possuindo apenas alguns destes hinos), este é o
primeiro detalhe ao qual atentamos logo de início. O segundo, e extremamente
interessante, é que a parte onde originalmente o finado é julgado por Deus,
fora substituído por um poema, onde o poeta ciente de sua morte, despede-se com
palavras de dor e melancolia, porém estas palavras são honrosas e dignas, pois
ele, o poeta, pode dar adeus sem a necessidade de mediação de outro; da mesma
forma, não me parece haver ninguém mais apto a desenvolver qualquer tipo de
crítica ou julgamento sobre nossos atos do que nós mesmos. O poema em questão chama-se “O Sonho” ("Goodbye, O world, O earth,
farewell / Unfriendly land, goodbye! / My searing pain, my tortures cruel / Above
the clouds I'll hide / And as for you, my dear Ukraine / I'll leave the clouds
behind / And fall with dew to talk with you / Poor widow-country mine / I'll
come at midnight when the dew / Falls heavy on the field"), sendo escrito
no séc. XIX pelo poeta ucraniano Taras Shevchenko quando este foi expulso
da Ucrânia pela família real, após “versos ofensivos” contra a rainha;
encarando a extradição de sua amada terra natal como a própria morte, a dimensão psicológica e
cultural deste poema (ainda exponenciabilizado por Silvestrov) é assombrosa.
O requiem de uma forma geral desenvolve-se
em uma atmosfera angustiante, frases que iniciam-se otimistas não são
terminadas, são bruscamente interrompidas, tornam-se pessimistas, os últimos
suspiros sempre acabam sendo desesperançosos. Os solistas emergem em meio ao
coro, retornam e emergem novamente, as coisas desmoronam e reconstroem-se só
para tornarem a desmoronar. Os três primeiros movimentos possuem caminhos
tortuosos, difíceis, quase impenetráveis, como se fosse necessário ter de passar
por isso para ser envolvido completamente com o quarto movimento, perceber toda
a sua beleza; sem dúvida, a hermeticidade dos três primeiros movimentos
exponenciabilizam os sentimentos indescritíveis do quarto movimento (o qual
possui o poema de T. Shevchenko), sendo o que considero, a mais bela peça coral do século XX. O quinto
movimento possui o poema “The Messenger” para cordas e piano, composto no ano
de 1997 em memória de sua esposa. Os últimos três movimentos não são últimos, pois
não possuem tempo, como grande parte dos trabalhos do compositor.
Os trabalhos do Silvestrov
parecem criar novos sentimentos ainda inominados ou despertá-los; talvez eles
sempre estiveram ali, apenas não se manifestaram por falta de algum estímulo
externo verdadeiramente forte, superior, que correspondessem tal qual eles são.
Obra imprescindível.
1. Largo
2. Adagio - Moderato - Allegro
3. Largo - Allegro moderato
4. Largo
5. Andante - Moderato
6. Largo
7. Allegro moderato
320 kbps | 116 MB
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